sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011



O ENCANTADOR DE SERPENTES

         A relatividade de conceitos atribuídos ao certo e errados sempre me encabulou. Quando era garoto pensava que certo fosse tudo de que os outros gostavam que eu fizesse. Assim sempre que alguém me pedia que eu fosse à padaria, ou que ficasse sentado ou ainda que eu fosse dormir, eu o fazia, para logo depois ganhar a recompensa ao ouvir os adultos em unaminidade a dizer:
         _ Bom menino!
         _ Que filho maravilhoso, é meu queridinho!
         _ Toma meu amor, um chocolate da titia, que gracinha!
         E assim passei a infância concordando e agradando. Fui sempre o melhor para todos e pensei que também o era para mim.
         Adentrei a adolescência consciente de que poderia obter tudo o que quisesse sendo um bom menino. Mas neste momento me deparei com um enigma: O que eu queria já não era mais o que os outros queriam. Eu até tentei dormir sempre que os outros mandavam, mas o sono não aparecia e eu insone, ficava olhando as estrelas e pensando que o certo já não era tão certo e o errado, antes abominado, parecia-me agora uma caixa colorida de surpresas que eu ansioso gostaria de desvendar. Mas, a herança permanecia tão viva que passei a omitir o que sentia por medo de ficar sem o chocolate da titia e a aprovação do resto do mundo.
         Até que uma vez encontrei-me com uma fada diferente das que me observavam nos contos de fadas, que aprendi a escrever e acreditar na infância. Ela não era azul, desprovida de véus e ao invés de atender aos meus desejos passou a fazer com que eu atendesse os seus.
         De que país encantado viera ela? Onde seria o lugar onde as pessoas não tinham a necessidade do chocolate da titia, e às vezes, tão pouco da tia? Donde viera esta diva que corajosamente dizia e fazia sempre o que pensava?
         No primeiro momento, embora encantado, a julguei errada. Afinal o certo era certo e o errado, ora bolas, errado.
         Sua vivacidade, sua ausência total de preestabelecer parâmetros e linhas, para que não nos sentíssemos culpados quando as ultrapassássemos, suas calças compridas, seus cabelos vermelhos, sua vontade de sorrir e de chorar nos momentos mais inusitados, tranformou-me e transformou meus conceitos. Enlouqueci de tédio, até que decidi mudar-me para dentro da fada que não era azul.
         Com ela corri campinas, visitei mares, envolvi-me com tesouros submersos dentro de mim e dela. Enfrentei tempestades, rasguei regimentos, deixei os cabelos crescidos, encantei serpentes e deixei-me encantar por elas. E Ouvia insistentemente:
         _Esse rapaz, não sei não...
         _ Filho quanta maldade, quanto egoísmo. Não vê que seus irmãos te olham?
         _ Meu sobrinho? Eu quase não o vejo, somos distantes. Querem um chocolate?
         O certo tinha virado do avesso. E eu já não dormia cedo mais.
         Minha fada, que não era de ninguém, resolveu voar. Pobre de mim que ainda não o sabia e tive de ficar. Fiquei preso à faculdade, ao dinheiro curto, ao medo tétrico de alturas, ao concerto infindável de obrigações. Foi quando descobri que tinha virado homem, cortei os cabelos, pintei uma tabuleta que finquei na terra do coração, onde se pode ler em letras verdes (para não se perder as esperanças): Aqui jaz um encantador de serpentes que fora encantado pela vida.

         Dali em diante, fiquei sempre a espera de ouvir do patrão:

         _ Esse rapaz é bom, tem futuro...
         Ainda hoje quando perco o sono e passo a olhar as estrelas, pareço ver entre a noite e o dia minha fada, que não era azul, que não era minha e que chorava e ria quando bem entendia.

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